domingo, 17 de fevereiro de 2013

Espanca

Há coisas que são tão boas que merecem repost, rerrepost, rerrerrepost, re... Já deu pra entender, né? Apreciem:

FanatismoMinh'alma, de sonhar-te, anda perdida. 
Meus olhos andam cegos de te ver. 
Não és sequer razão do meu viver 
Pois que tu és já toda a minha vida! 

Não vejo nada assim enlouquecida... 
Passo no mundo, meu Amor, a ler 
No mist'rioso livro do teu ser 
A mesma história tantas vezes lida!... 

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa... 
Quando me dizem isto, toda a graça 
Duma boca divina fala em mim! 

E, olhos postos em ti, digo de rastros: 
"Ah! podem voar mundos, morrer astros, 
Que tu és como Deus: princípio e fim!..." 

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Das histórias bem contadas

Devo reconhecer que não sou tão "rodado" em literatura quanto deveria ou como minha cara de nerd talvez sugira. Me faltam alguns clássicos - não li nada de Shakespeare, por exemplo, a não ser aqui e ali, por acaso - e tenho lido pouco nos últimos meses.

Mesmo assim, em valores absolutos, li um bom bocado. Tanto que consegui já perceber que existem histórias que são melhores pelo jeito como são contadas do que pelo que realmente contam.

Tome "As intermitências da morte", do Saramago, como exemplo. São três ou quatro histórias num livro só, cada uma delas venderia muito bem sozinha, entrelaçadas apenas pelo pano de fundo comum: a morte parou de matar. A narrativa te leva de uma visão "aérea", impessoal, em que você se vê no papel de um governo que não sabe o que fazer com os seus vivos que insistem em não morrer, num momento, até o íntimo dos pensamentos daquela particular "Dona Morte" que resolveu largar o trabalho, passando por outras histórias curtas no caminho. Tudo isso escrito com uma pontuação que parece ter sido feita aleatoriamente, só pra complicar. Tinha tudo pra ser um "A Árvore da Vida" impresso: pretensioso, mas completamente sem sentido ou graça. Mas não, As Intermitências é inacreditavelmente bom e o motivo é muito simples: Saramago.

Ele não se contenta em simplesmente dizer o que tem pra ser dito, ele faz isso de uma maneira tão elegante, com as palavras tão minuciosamente bem colocadas que você sente um tanto de vergonha: "se eu tivesse que dizer isso, não soaria tão legal". E aí você se pega lutando pra adivinhar as vírgulas.

Isso é o que torna tudo tão fantástico, tão prazeroso, que te faz engolir o livro em umas poucas horas, mesmo tendo que frequentemente reler três ou quatro vezes uma sentença.

É o que faz também Machado de Assis em Dom Casmurro.

"Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz
aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu."

O simples acrescer desse "e de chapéu" faz o milagre acontecer. É o que eu nunca teria pensado em dizer quando descrevesse meu encontro com alguém. E isso é só a primeira frase do livro. Fica melhor, fica muito melhor.

E você percebe que não importa se Capitu traiu ou não, ou qualquer outra coisa que o enredo queira, o que importa é que essa história foi uma vez escrita, e escrita assim, pra que num desses dias marotos você pudesse se dar ao deleite de comê-la. Saboreá-la e ter aquela pequena epifania que só os bons escritos, os realmente bons, te conseguem dar.